Enquanto 121 pessoas caíam mortas nos complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro - sendo 117 suspeitos e 4 policiais (GOVERNO DO RIO DE JANEIRO, 2025)¹ -, em uma operação que mobilizou 2.500 agentes em apenas vinte e quatro horas (CNN BRASIL, 2025)², o Distrito Federal oferecia ao estado vizinho a solução que ele mais deveria ter procurado: inteligência policial de verdade. O governador Ibaneis Rocha foi claro ao falar com Cláudio Castro: "A PCDF trabalha muito bem nessa área" (CORREIO BRAZILIENSE, 2025)³. E essa afirmação tem base em resultados concretos.
Como Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal atuando há anos no combate ao crime organizado, tenho acompanhado de perto essa diferença de abordagem. A operação carioca de 28 de outubro de 2025 não foi acidente. Foi resultado de uma filosofia de segurança pública que prioriza o confronto sobre a investigação. Cláudio Castro é responsável por três das cinco operações mais letais da história fluminense: Jacarezinho em 2021 com 28 mortos (WIKIPÉDIA, 2025)4, Vila Cruzeiro em 2022 com 23 mortos (AGÊNCIA BRASIL, 2022)5, e agora esse massacre que deixou 121 corpos, sendo considerada a operação mais letal da história do estado (G1, 2025)6.
Os números falam por si. Dois mil e quinhentos agentes nas ruas. Helicópteros, blindados, drones lançando bombas (CNN BRASIL, 2025)7. Tudo isso resultando em apenas oitenta e uma prisões (AGÊNCIA BRASIL, 2025)8. Se considerarmos os custos operacionais típicos de mobilização dessa envergadura, estamos falando de dezenas de milhares de reais por preso. E muitos desses detidos acabam soltos por falta de provas consistentes nos inquéritos.
Aqui em Brasília, temos trabalhado de forma diferente. Em 20 de dezembro de 2022, coordenei por intermédio da 4ª Delegacia de Polícia do Guará-DF, em operação conjunta com o PATAMO da PMDF, uma ação contra membros do Comboio do Cão (JORNAL DE BRASÍLIA, 2022)?. Após meses de investigação e mapeamento sistemático da organização criminosa, cumprimos mandados de busca e apreensão que resultaram em: um mandado de prisão preventiva por homicídio cumprido, uma prisão em flagrante por tráfico de drogas, apreensão de duas armas de fogo (um revólver calibre .38 Special e uma pistola Taurus PT 740 Slim calibre .40 com numeração raspada), além de crack, cocaína, maconha e haxixe (POLÍCIA MILITAR DO DF, 2022)¹°.
O mais importante: nenhuma morte. Nenhum tiroteio. Nenhuma família atingida por bala perdida. Nenhum caos urbano. Foi o resultado de investigação meticulosa, trabalho de inteligência e execução planejada. Essa é apenas uma das várias operações que realizamos seguindo essa metodologia.
O custo de operações com inteligência, distribuído ao longo de meses de investigação, representa uma fração do que o Rio despendeu em um único dia. E o resultado é duradouro: a célula criminosa fica desarticulada, os traficantes sabem que estão sendo monitorados, que existe trabalho de inteligência real acontecendo.
Um ponto crucial que aprendi nestes anos investigando: facções criminosas operam com base em confiança e informação. Quando demonstramos capacidade investigativa real, quando há mapeamento consistente de redes, identificação de lideranças através de inteligência - isso sim gera impacto estrutural na organização criminosa. Operações espetaculares? Geram apenas ciclo de violência.
A operação carioca paralisou a capital fluminense. Setenta e um ônibus foram usados como barricadas, transportes paralisados por horas (AGÊNCIA BRASIL, 2025)¹¹. Os prejuízos econômicos diretos e indiretos de uma paralisação dessa magnitude em uma metrópole chegam a centenas de milhões. E o ganho? Temporário, na melhor das hipóteses.
No Distrito Federal, enfrentamos o Comboio do Cão, facção genuinamente brasiliense (MPDFT, 2023)¹². A organização tentou se consolidar como o Comando Vermelho no Rio ou o PCC em São Paulo. Mas encontrou resistência por meio de um trabalho sistemático de inteligência. A PCDF realizou múltiplas operações, incluindo a Operação Shot Caller em 2023 com 57 mandados judiciais cumpridos (JORNAL DE BRASÍLIA, 2023)¹³. Dados recentes mostram que o CV tem apenas 73 membros presos no DF, contra 216 do PCC e 183 do Comboio do Cão (METRÓPOLES, 2025)¹4, demonstrando que ainda mantemos controle sobre a situação.
Mas isso exige vigilância constante. Se relaxarmos, se cortarmos investimento em inteligência, em cinco anos qualquer dessas organizações pode dominar territórios inteiros. Em dez anos teremos o que o Rio vive hoje. Em quinze anos, operações com centenas de mortos serão rotina.
Precisamos de coragem política real. Não a coragem de aparecer na TV prometendo guerra ao crime, mas a coragem de investir no que não aparece: investigação de longo prazo, delegados especializados em crime organizado, sistemas de inteligência integrados. Tudo isso custa menos que uma megaoperação, mas exige planejamento e continuidade.
O Brasil carece de legislação que exija investigação prévia documentada antes de operações em comunidades vulneráveis. Não há mecanismos de responsabilização quando operações resultam em mortes excessivas de civis. Falta estrutura de carreira especializada para investigadores de crime organizado. Sem essas mudanças estruturais, continuaremos vendo massacres sendo chamados de "sucessos".
Minha trajetória profissional me preparou para compreender essa complexidade. Sou Delegado de Polícia da PCDF desde 2018, lotado na 4ª Delegacia de Polícia do Guará. Bacharel em Direito pelo UniCEUB (2009) e atualmente bacharelando em Ciências Contábeis e Administração. Possuo especialização em Direito Público (2011) e Gestão da Segurança Pública (2015). Antes da carreira policial, atuei como advogado (2009-2015), agente socioeducativo (2010-2015), assessor jurídico na Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do TJDFT (2012-2015) e escrivão de polícia (2015-2018). Tenho formação em inglês avançado pela Casa Thomas Jefferson, alemão intermediário pela UnB, além de conhecimentos em espanhol e italiano. Sou autor do livro "A Investigação Criminal Realizada Diretamente pelo Ministério Público" (2016) e possuo experiência como professor universitário e em empresas de contabilidade e consultoria tributária. Essa formação multidisciplinar - combinando direito, segurança pública, contabilidade e idiomas - me permite analisar o crime organizado sob diferentes perspectivas e compreender que segurança pública eficaz exige conhecimento técnico, não apenas força.
Na 4ª DP do Guará, aplicamos diariamente o que funciona: mapeamento sistemático, documentação rigorosa, construção paciente de casos sólidos. Quando agimos, é com precisão. Sem espetáculo, sem sangue desnecessário.
O Rio gasta R$ 10,3 bilhões com polícias (BRASIL DE FATO, 2025)¹5, promove operações letais e não resolve o problema da criminalidade. Brasília pode escolher outro caminho. Podemos aprender com os erros alheios antes que seja tarde.
O Comboio do Cão está presente e crescendo. Está testando limites. Se não mantivermos e ampliarmos o trabalho de inteligência agora, em poucos anos enfrentaremos o mesmo dilema do Rio: ou aceitar o domínio territorial das facções ou promover operações com dezenas de mortos.
Ainda há tempo de escolher diferente. De investir em inteligência real. De criar legislação que proteja civis e responsabilize excessos. De manter o combate ao crime organizado através de investigação, não de guerra urbana.
Essa é a lição que aprendi investigando, documentando, prendendo criminosos sem deixar rastro de sangue. Inteligência supera força bruta. Planejamento vence improviso. Lei vence arbítrio.
Brasília tem a chance de não repetir os erros do Rio. A decisão é nossa, agora.
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Referências:
¹ GOVERNO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Polícia Civil. Balanço da Operação Contenção. Rio de Janeiro, 29 out. 2025.
² CNN BRASIL. Operação no Alemão deixa pelo menos 64 mortos em megaoperação no RJ. São Paulo, 28 out. 2025.
³ CORREIO BRAZILIENSE. Ibaneis oferece ajuda a Cláudio Castro. Brasília, 29 out. 2025.
4 WIKIPÉDIA. Chacina do Jacarezinho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Chacina_do_Jacarezinho. Acesso em: 13 nov. 2025.
5 AGÊNCIA BRASIL. Operação da Vila Cruzeiro deixa 23 mortos. Rio de Janeiro, 26 maio 2022.
6 G1. Operação policial nos complexos do Alemão e da Penha é a mais letal da história do Rio. Rio de Janeiro, 29 out. 2025.
7 CNN BRASIL. Operação no RJ: 64 mortos, retaliação do CV e caos por todos os lados. São Paulo, 28 out. 2025.
8 AGÊNCIA BRASIL. Operação no Rio contra facções criminosas. Rio de Janeiro, 28 out. 2025.
? JORNAL DE BRASÍLIA. PC e PMDF deflagram operação conjunta contra o comboio do cão no Guará. Brasília, 21 dez. 2022.
¹° POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. PATAMO e 4ªDP deflagram operação conjunta contra o comboio do cão no Guará. Brasília, 20 dez. 2022.
¹¹ AGÊNCIA BRASIL. Rio Ônibus informa que 71 coletivos foram usados como barricadas. Rio de Janeiro, 28 out. 2025.
¹² MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. MPDFT e PCDF deflagram Operação contra Organização Criminosa Comboio do Cão. Brasília, 28 nov. 2023.
¹³ JORNAL DE BRASÍLIA. PCDF realiza megaoperação contra a facção Comboio do Cão. Brasília, 28 nov. 2023.
¹4 METRÓPOLES. Como Brasília se tornou território hostil para o Comando Vermelho. Brasília, 10 nov. 2025.
¹5 BRASIL DE FATO. RJ liderou gastos com polícias enquanto políticas públicas para egressos seguiram sem verba. São Paulo, 30 out. 2025.


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